Horas extras: é preciso cuidado para evitar o burnout

O Brasil é o sétimo país do mundo onde os trabalhadores mais fazem horas extras. De acordo com pesquisa da seguradora internacional Maxis GBN, a média é de 18 horas a mais trabalhadas por mês — ou seja, pouco mais de dois dias de uma jornada de oito horas. Nos Emirados Árabes, país que ocupa o primeiro lugar, o trabalhador chega a fazer até 24 horas extras. E em todo o mundo, os trabalhadores percebem que há, nas empresas, a cultura do presenteísmo. No lado oposto do absenteísmo, o presenteísmo é o excesso de trabalho: horas extras, finais de semana, cumprir expediente mesmo quando doente. Embora seja um fenômeno mundial, o presenteísmo tem seu impacto negativo e atinge, principalmente, a saúde dos trabalhadores. É que trabalhar em excesso, em alguns casos, pode virar doença: a síndrome de burnout.


País

Média de horas extras trabalhadas por mês

1º Emirados Árabes Unidos

24

2º Estados Unidos

23,2

2º Hong Kong RAE

23,2

3º França

22,4

4º Índia

21,2

4º Rússia

21,2

7º Brasil

18

8º Reino Unido

17,2

9º México

16

10º África do Sul

14,8


Trabalho em excesso e esgotamento

Traduzido do inglês, o burnout é a “síndrome do esgotamento”, que virou doença, oficialmente, ao ser reconhecida pela Organização Mundial da Saúde e incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID) como “um fenômeno ligado ao trabalho”. Um estudo do centro psiquiátrico americano Yellowbrick aponta o quanto o burnout já está presente na vida dos trabalhadores: dos dois mil entrevistados entre 23 e 38 anos, 96% sentem, de alguma forma, o impacto do burnout em suas carreiras e 29% relatam cobranças diárias e pressão no ambiente de trabalho. Mas o que caracteriza, afinal, a síndrome?

“A síndrome de burnout é um estado físico, emocional e mental de exaustão extrema, resultado do acúmulo excessivo em situações de trabalho que são emocionalmente exigentes e/ou estressantes, que demandam muita competitividade ou responsabilidade, atinge em sua maioria as áreas de educação e saúde”, explica a médica especialista em segurança do trabalho da empresa de segurança e saúde ocupacional SEG, Thais Tanno. “Burnout é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros”, continua.

A médica sugere que uma forma de prevenir a síndrome “é não ter tanta cobrança de si mesmo no trabalho, saber equilibrar a vida profissional e pessoal, além de exercer atividades divertidas que trazem alívio ao estresse. Em casos que notam-se alguma mudança psicológica, deve-se procurar um profissional para tratamento”, conclui.

Coreia do Sul e Japão vêm aplicando políticas de redução de horas trabalhadas desde 2018. O governo coreano reduziu, no ano passado, o limite da jornada semanal de trabalho de 68 para 40 horas — ainda permitindo até 12 horas extras — numa tentativa de diminuir o excesso de trabalho crônico. Logo ao lado, atravessando o Mar do Leste, empresas japonesas têm tentado combater um fenômeno chamado karoshi, a morte por privação de sono. Lá, 71% dos homens afirmam dormir menos de 7 horas por dia, segundo a Sociedade Japonesa de Pesquisa no Sono, onde 30% deles afirmam que só dormem se consumir álcool, resultado do foco demasiado no trabalho ininterrupto.

O Japão coleciona casos de pessoas morrendo por excesso de horas extras. O Fórum Econômico Mundial levantou dois deles: em 2013, uma jornalista morreu por problemas cardíacos depois de acumular 159 horas extras em um mês; em 2017, um mecânico de 57 anos teve uma arritmia fatal ao passar mais de 100 horas extras trabalhando em um projeto.

A mesma matéria que relata as mortes acima, traz um gráfico publicado em 2016 numa revista científica mundial, a Science Advances, que levantou a quantidade de horas dormidas em 20 países. A publicação mostra uma média em minutos das nações onde as pessoas dormiram mais ou menos que oito horas por noite. Na lanterna da tabela, o Brasil aparece em 17º lugar, na frente apenas de Japão e Singapura, sendo um dos três países analisados onde as pessoas dormem menos.

É possível não trabalhar tanto?

Quando se trata de carreiras que envolvem plantões ou jornadas de trabalho específicas, como policiais, enfermeiros, médicos e outros serviços de emergência, não há como questionar as rotinas estabelecidas. Mas quando estamos falando de trabalhos que envolvem projetos ou produtos a serem concluídos e metas a serem alcançadas, qual a real necessidade de tantas horas sentadas ao frente de um computador? O que é mais importante: entregar seu trabalho bem feito ou cumprir uma tabela de horários? Pode ser um exemplo distante da realidade (para alguns até impossível), mas, recentemente, o colunista do Administradores Guy Kawasaki trouxe o exemplo de uma empresa que funciona apenas cinco horas por dia.

A Tower Paddle Boards, fabricante de pranchas de Stand-up Paddle só abre suas lojas e faz atendimentos, sejam online ou por telefone, entre as 8h e 13h. E, segundo o CEO da empresa, Stephan Aarstol, desde que a nova rotina foi implementada, a produtividade cresceu, o tempo gasto com o serviço feito diminuiu e a receita aumentou 21%. Para Aarstol, formas de trabalho como home office e trabalho remoto são caminhos que os trabalhadores buscam para sair do escritório e utilizar melhor o seu tempo.

O caminho para gerenciar seu tempo

Como o próprio CEO também fala no artigo, a organização do tempo é um fator fundamental para a mudança. Enquanto a redução de uma jornada de trabalho formal de 8h não é possível, o gerenciamento pode ser uma ferramenta no seu dia a dia para evitar o excesso de horas extras.

Com a palavra, Stephan Aartsol: “A ideia de se definir uma agenda ou um prazo para completar um projeto é uma ferramenta de gerenciamento largamente utilizada para assegurar que as pessoas estão sendo produtivas. Você está basicamente criando um limite de tempo para projetos a longo prazo. Todos concordam que isso é necessário ou as companhias não seriam tão produtivas uma vez que os projetos iriam saturar. Como uma esponja, as iniciativas iriam se encher de mais e mais tempo desnecessariamente. Nada iria, um dia, terminar. É exatamente o mesmo princípio no trabalho ao criar um limite diário de cinco horas por dia. Se amanhã é determinado que você só tem cinco horas para terminar o seu trabalho ou você será demitido, você magicamente o termina”.

A psicóloga Fernanda Torchetto indica que atitudes do cotidiano podem ser mudadas para um aproveitamento melhor do tempo, seja no trabalho, em projetos, ou mesmo no tempo livre. “Monitore-se, desde a hora que acorda, até a hora que vai dormir. O ideal é fazer isso durante uma semana inteira”, aponta. Assim, é possível que você se dê conta de que algumas atividades podem facilmente ser descartadas, já outras, imprescindíveis, estão sendo mal administradas.

Um modo de otimizar as tarefas essenciais é dividir sua realização em etapas, fazendo um pouco a cada dia. Entre as atividades que são essenciais para sua rotina no trabalho ou dentro de casa, determine as prioritárias. Ante isso, estabeleça prazos de entrega. Obviamente, as tarefas mais importantes deverão ser cumpridas antes das menos importantes. Para não se esquecer o prazo e a atividade prioritária, lembretes pela casa, por exemplo, podem ser de muita utilidade. Indicado por Torchetto, estabelecer recompensas também é um artifício que pode ajudar no cumprimento das atividades dentro do prazo estipulado.

Naturalmente, demandas surgem ao longo dos dias e das horas — no trabalho ou em casa — por isso a psicóloga pondera que é necessário estabelecer exceções às regras, permitir a realização de atividades que não fazem parte do cronograma. “Por fim, a pessoa que deseja utilizar melhor o seu tempo, não pode subestimar o poder do descanso. Seja durante o trabalho, materializado em uma pausa para o café ou para fazer um lanche. Seja após um dia árduo de trabalho, através de práticas esportivas ou outras atividades de lazer, como ver um filme com a família”, conclui.